sábado, 27 de novembro de 2010

O desabrochar de uma paixão


- Tia, eu queria te pedir uma coisa... Mas não sei se dá para comprar...

- O que é? Não é roupa da Pakalolo, não né? Já te falei que a gente não é rica, não dá para ficar andando que nem paquita da Xuxa, é caro.

- Não é isso, é outra coisa.

- Sapato? Mas eu te comprei um tênis de couro, e de couro esse teu dedo arrebitado não pode ter furado, não é possível.

- Não, não é nada disso, é outra coisa, a gente nunca comprou isso...

- Então desembucha menina, que diabo você quer comprar?

- Livros...

- A professora pediu de novo? Mas que mulher, é caro, ela tem que pedir todos os livros de que precisa no começo do ano. Isso lá é hora de pedir livro?

- Não. Oh tia, eu é que quero comprar livro para ler, sem ser para a escola, uns que meus professores falam que são legais...

- Ah é? A gente pode ver. Será que é caro? A Vivi e o Rafa (os amigos ricos) têm livros?

- Eu nunca vi eles lendo, não. Só para a escola...

- Será que faz crediário de livro? Porque tem que comprar mais que um né?

- Eu não sei tia. Pergunta para a Dinorah (amiga inteligente, juíza do Tribunal de Justiça na época).

Passou um bom tempo...

- No sábado a gente vai na Saraiva, livraria grande. A Dinorah falou que lá faz crediário e falou que vai te dar uns livros que os sobrinhos não querem mais.

- Tia, eu posso comprar da coleção Vagalume? A vó trouxe um que a amiga dela me deu, eu queria ler os outros.

- Pega lá para eu ver esse livro.

- Este aqui, chama-se “A Ilha Perdida”. Eu fui na biblioteca da escola, lá tem alguns. Eu quero comprar uns que não tem lá.

- A gente pode comprar, esses devem ser baratinhos, é pequeno né?

...

O primeiro livro que li na vida foi “A Ilha Perdida” da Maria José Dupré ou Senhora Leandro Dupré, como era inicialmente conhecida, famosa pelo clássico brasileiro “Éramos Seis”, que até novela virou, também publicado na Coleção Vagalume pela Editora Ática.

Aquele sábado foi um dos dias mais felizes da minha vida, nós compramos uma caixinha com parte da coleção vagalume e minha tia pôde comprar no crediário, como ela queria. Esta foi a primeira compra de livros de muitas que nós viríamos a fazer no crediário da Saraiva.

Hoje, eu tenho uma boa quantidade de livros, uma minibiblioteca com as coisas que preciso para desenvolver bem o meu trabalho e para ser o ser humano que eu gosto de ser.

Este post se deve ao fato de ontem eu ter ido à famosa Feira de Livros da USP, que fica na minha adorada FFLCH, a minha segunda casa, lugar onde eu me encontro. Lugar que me ajudou a me transformar na pessoa que eu sou hoje.

Eu costumo parafrasear uma frase da Clarice Lispector para falar da minha relação com a Universidade de São Paulo. Clarice dizia que, quando ela não escrevia, estava morta. Eu digo a mesma coisa sobre a USP, antes de entrar lá, eu estava morta, eu nasci lá dentro. Cresci como ser humano, descobri uma profissão.

Um dia a professora Aurora Bernardini, em um momento muito triste da minha vida, em que esta tia, tão amada de todas as minhas histórias, faleceu e eu fiquei sem rumo, me disse sobre a possibilidade de trancar a faculdade: “Querida, não faça isso. Acredite, você encontrará nesta universidade um motivo a mais para viver, você se encontrará aqui. Eu vejo que este aqui é o seu lugar. Este lugar mudará a sua vida, da mesma maneira que mudou a minha”.

Eu segui o conselho da professora Aurora e de todos os professores do Departamento de Russo, que tanto me ajudaram a não desistir. Não apenas eles, mas tantos me ajudaram, amigos e principalmente um ex-namorado com um coração imenso que foi a pessoa mais importante, depois da minha avó, neste processo.

Pois é... Os livros se tornaram a maior paixão da minha vida e, por sorte, meu amor, o Rafael, também adora e estava lá, juntinho, para fazer as compras deste ano. Depois da morte da minha tia, esta é a primeira vez que eu tenho uma companhia para esta feira...

Titia querida, obrigada por me apoiar sempre, irrestritamente, mesmo quando não compreendia o motivo das coisas. Inspiração para a minha vida...

*Olha aí em cima a foto das nossas aquisições de ontem, fora os filmes e presentinhos =)

3 comentários:

  1. Hahaha
    Chorei, droga!

    Estava agora mesmo pensando no final deste ano, e como tudo mudou!

    Você lembra que me deu a Ilha perdida para ler?
    E me levava na biblioteca do Almirante, me dava livro de presente de aniversário "por que tinha que ser algo útil".

    Tomou "Crime e castigo" das minhas mãos "pq ficou com medo do que poderia acontecer na minha cabeça"

    Me disse que para escrever bem, bastava ler todas as manhãs um conto do "Machado".

    Deu espaço na sua estante para os meus quadrinhos do Calvin, e eu lembro até hoje do primeiro livro que eu coloquei lá!

    E ontem, recebi meu presentinho! Um livro da nova ortográfia!

    Amo você.
    E esta época deixa tudo com uma cara de saudade.
    Obrigada por ter feito o que eu sou!

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  2. Flavinha, não me lembro do nome primeiro livro que li, mas lembro que o primeiro da coleção Vagalume foi o Escaravelho do Diabo quando eu tinha uns 10 anos. Meu tio ganhou quase todos os livros de uma chefe dele e me deu. A partir dessa coleção peguei o gosto pela leitura, foi algo que marcou bastante a minha infância.

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  3. Sua tia sempre fez de tudo por vc!!!!!
    Beijos sinto muita saudade de vc

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